O
problema das leis é tema recorrente neste blog (para mais detalhes conferir aqui e aqui).
Pois bem, retorno ao tema após um fato ocorrido há aproximadamente três meses.
Antes, porém, de retratar o caso gostaria de iterar a função de uma lei
recorrendo à sabedoria cristã sobre o assunto esclarecida pelo próprio Jesus
Cristo:
“E dizia-lhes: ‘O sábado foi feito para o homem, e não
o homem para o sábado[...]’” (S. Marcos 2, 27)
“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pagais o
dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais os preceitos mais
importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade. Eis o que era
preciso praticar em primeiro lugar, sem, contudo deixar o restante.” (S. Mateus 23, 23)
Essas
palavras iluminam a questão não sendo, por isso, necessário recorrer a extensas
teorias jurídicas ou intricadas especulações de filosofia moral. Percebe-se,
partindo do exemplo evangélico, que a lei não é fim em si mesma, mas algo que
visa garantir ou proteger um fim verdadeiro, logo não é um princípio isolado da
ação humana estando por sua vez subordinada a instâncias superiores tomando
aqui de empréstimo o vocabulário jurídico. Em outros tempos dizer isso seria
“chover no molhado”, mas hoje é preciso reiterar essa característica da lei
frente à dissolução de valores e conceitos até então basilares para as
sociedades ocidentais.
Tais
considerações nos ajudam a compreender a situação que presenciei e que
mencionei brevemente acima. Minha esposa e eu havíamos indo ao centro de Belo
Horizonte num domingo de manhã e enquanto eu estacionava o carro ela foi para a
feira onde nos encontraríamos. Na véspera a BHTRANS, empresa responsável pelo
trânsito na cidade, havia feito diversas modificações no trânsito da área
central confundindo as pessoas. Pois bem, minha esposa que estava grávida quase
foi atropelada por ciclistas e skatistas praticamente ao lado de um agente de
trânsito que tentava sozinho e em vão organizar o fluxo de veículos. O fato que
me indignou nessa circunstância foi que enquanto um agente apenas tentava
organizar o trânsito eu via outros dois agentes acompanhados por policiais
rebocando carros estacionados em local proibido, pois só era permitido parar.
Retomo
aqui a reflexão sobre a função de uma lei, não com o objetivo de questionar a
legitimidade das autuações aplicadas pelos os agentes que multavam os donos dos
veículos estacionados irregularmente, mas com o intuito de questionar se o real
objetivo dos agentes da BHTRANS é proteger as pessoas no trânsito ou não.
Atitudes como a que acabo de citar colocam em xeque as prioridades do Estado,
representado pelos agentes em questão, bem como dão razão à existência de
termos como “indústria da multa” e “arrecadação extra” que são mui justamente
atribuídos a agências como a BHTRANS. Cai por terra também aquele papo furado
de que a “ideia não é multar, mas educar”. Isso porque o discurso é um e a
prática é outra e quem não percebe isso ou é muito inocente ou age de má fé.
Está
claro no Brasil que a lei é manipulada conforme a vontade dos agentes públicos
e a imensidão da máquina pública movida a burocracia joga com a lei. Dessa
forma ela não serve ao bem público que deveria ser o seu objetivo, bem como o
da política, mas conforme as conveniências de determinados setores que
controlam a máquina estatal. Surge então fenômenos como a da indústria da multa
que se baseando inicialmente em algo bom acaba servindo à prática do mal porque
inverte a ordem das coisas e dos valores. Voltamos então ao questionamento de
Jesus se a lei está servindo realmente ao homem.