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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Pensamento avulso XCV

Parece-me, tem hora, que o espírito brasileiro se resume em duas figuras literárias: o medalhão de Machado e o homem que sabia javanês de Barreto. Aquele apego a formalismos estéreis e à falsidade...

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Uma distinção fundamental

Outro dia, voltando para casa de uma festa, passei em frente a uma das diversas igrejas protestantes no meu bairro e em poucos segundos de dentro do ônibus ouvi algo que imediatamente acendeu um sinal de alerta em minha mente. Uma voz masculina, provavelmente de um pastor, dizia não haver um “pecômetro” para medir o pecado, de tal modo que o roubo de uma agulha equivaleria ao roubo de algo muito mais caro, que não consegui compreender o que era. Esse tipo de análise do pecado cabe bem ao protestantismo, mas também já ouvi de católicos, sacerdotes inclusive, que diziam não haver pecadinho e pecadão.

De fato todo pecado é um mal que ofende a Deus e rebaixa o homem, de modo tal que para nos livrar de todo pecado foi necessário o sacrifício do Próprio Filho que derramou o Seu sangue para libertar cada ser humano da escravidão e jugo do pecado. No entanto, essa realidade não altera o fato de que nem todo pecado tem a mesma gravidade, pois como disse o Senhor frente a Pilatos, quem O entregava cometia pecado maior.

A Igreja, mãe e mestre, em posse legítima das Sagradas Escrituras e de sua interpretação, distinguindo a gravidade dos pecados dividiu-os em veniais e mortais. O pe. João Batista Lehmann em sua obra, “Na luz perpétua - vol. 1”, diz-nos o seguinte acerca deles:


O pecado mortal é de todos o mal maior e deve ser evitado a todo custo, porque é ele que nos exclui da felicidade eterna. Pecados veniais não têm este efeito, mas predispõem a alma a consentir em infidelidades maiores e preparam o caminho para o pecado mortal. (p. 70)


Como podemos observar, essa doutrina do pecado não visa diminuir o impacto ou gravidade dos pecados como insinuam alguns críticos da Igreja, mas dimensionar devidamente as ações humanas, pois Deus possui a totalidade da misericórdia concomitante à totalidade da justiça. Como justo juiz, Nosso Senhor pesa e pondera e conhece as profundezas da intimidade de cada um e no uso de Sua misericórdia nos legou o sacramento da confissão que apaga em nós os pecados, ainda que não completamente os seus efeitos.

Somente à luz do conjunto da doutrina, ou seja, da totalidade do mistério da Redenção resguardado pela Igreja, é possível entender devidamente o pecado e a sua estrutura desde a Queda. É justamente esse desconhecimento ou afastamento da verdadeira doutrina que gera falas como a que descrevi no início no texto, que podem se assentar num princípio verdadeiro, a saber, que o todo pecado gera um mal, mas que falha ao se concentrar nisso sem considerar outras dimensões dessa realidade, que é de fato terrível. Esse procedimento se enquadra no conceito de heresia que consiste literalmente numa separação ou escolha arbitrária de um ponto da doutrina em detrimento dos demais. Aos católicos nos cabe eliminar em nós tal proceder.  


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Pequenos sinais de incivilidade

Hoje, em minha epopeia diária para ir trabalhar pela manhã, seguia apressado por um corredor da estação de ônibus S. Gabriel para a última baldeação rumo ao último ônibus que me levaria a meio quilômetro do meu destino. Apesar de ter percorrido esse caminho dezenas de vezes, foi apenas nesse dia que notei algo no mínimo inusitado para não dizer absurdo.

Nesse amplo corredor de acesso que serve a milhares de passageiros que ali trafegam diariamente, há um extintor de incêndio, o que não apenas é recomendável, mas até mesmo obrigatório. Até aí tudo bem, mas como dizem os memes da internet: “algo de errado não estava certo”. O extintor estava trancado e se não bastasse o absurdo havia um recado que mandava procurar, salvo engano, a administração da estação ou um segurança para destrancá-lo.

Logo imaginei a situação de um incêndio e as pessoas se acotovelando em busca de fugir do local, enquanto algumas pessoas tentariam em vão acessar o extintor, desesperadas e incapazes de encontrar a tal administração. Queira Deus que isso nunca aconteça, mas não é justamente essa a função do aparelho que deve servir em situações de perigo?

Diz-se com essa medida evitar depredações e vandalismos que de fato destroem e dão muito prejuízo, mas essa justificativa para esse procedimento apesar de em certo grau ser procedente, pode mascarar o absurdo da situação, sendo-nos necessário uma análise mais substancial dessa insensatez.
O primeiro ponto que gostaria de destacar é que a muitos pode ser parecer uma bobagem, algo de pouca importância, mas enganam-se, pois situações como essa são sinais escancarados de incivilidade ou barbárie. É o demonstrativo de uma falência na capacidade de sociabilidade básica. Uma sociedade em que pessoas causam estragos, impunemente, a objetos que podem salvar a vida não apenas de outrem, mas delas mesmas não tem como se manter como tal a não ser que a anomia social seja revertida.
E para que haja tal reversão é preciso que tais ações não sejam consideradas como de menor importância, afinal quem não é confiável no pouco, muito provavelmente também não o é no muito. Se uma sociedade é incapaz de garantir que um extintor seja mantido incólume no corredor de uma estação de ônibus, como ela será capaz de se manter enquanto tal?
Infelizmente não temos um povo, mas uma massa disforme, visível em pequenos e grandes sinais. Ainda nos mantemos, mas até quando?


Belo Horizonte, 29 de novembro de 2023