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domingo, 23 de outubro de 2022

Pensamento avulso LXXIII

Falar num Talibã cristão, principalmente no Brasil, é no mínimo uma falta de proporção. Talvez o que mais se aproxime disso seja a perseguição de alguns traficantes “evangélicos” a umbandistas e candomblecistas nas favelas que “administram” com certa conivência do poder público, principalmente do judiciário e do MP.

Uma reação tardia ao relativismo e à tentativa de implementação de leis parecidas com a dos países laicistas da Europa ser encarada com a criação de um movimento terrorista e totalitário sustentado por estados solidificados e legítimos ao redor do mundo é de uma ignorância sem par. Obviamente há reações mais vigorosas, mas nada que se compare à criação de milícias fortemente armadas ancorada numa legislação religiosa como a xaria. Isso não impede que ocorra algo assim no futuro, mas como mencionei acima parece que virá de um ramo altamente bem quisto pelos acusadores do “talibã cristão”, a saber, os traficantes e criminosos tidos como vítimas da sociedade.

Democracia, pero no mucho

Diz o ditado que peixe morre pela boca e o Roberto Jeferson está doido para ser a boca do Bolsonaro.

Dito isso, eu gostaria de relembrar um fato nada antigo que foi o ataque ao prédio em que morava a ministra Cármen Lúcia, à época uma inimiga do progressismo do MST. Muita gente da "direita" decidiu agir e limpar a frente do prédio deixando flores para a ministra. Sabendo que tais ministros trocam de posição como trocam de roupa e que esse gesto seria encarado com escárnio pelos aspirantes a editores do Brasil me mantive fora do ato, ainda que soubesse das boas intenções da maior parte dos que dele participaram.
E não é que eu estava certo. Cármen Lúcia na semana passada mostrou sua verdadeira face ao julgar o ato de censura feita ao Brasil Paralelo. Disse ser contra a censura, "pero no mucho". Alguns diriam se tratar de fala inspirada nos sofistas, mas eu diria que não. Os sofistas eram ao menos sutis em suas argumentações, enquanto a ministra... Digamos que não foi lá tão sutil assim.
Agora ela sai aplaudida por aqueles que a queriam matar, amarrando uma mordaça vermelha naqueles a queriam bem. Não há como não lembrar do velho soneto de Augusto dos Anjos que reproduzo em parte abaixo:


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Agora eu digo:

Lembrem-se, amigos!
Que no jogo moderno do poder
O maior dos castigos
É confiar sem descrer

Cármen Lúcia é somente mais uma pessoa que para sobreviver joga pelo ralo seus valores. Em nome da democracia que diz defender toma uma decisão que a destrói.
Por essas e outras não se esqueçam dessa lição que nos lega a política moderna sintetizada por Maquiavel e praticada por Robespierre: o temor (ou terror) é mais forte do que o amor. Nesse processo palavras como democracia e respeito à constituição nada mais são do que conceitos vazios de significado que são preenchidos conforme as conveniências do dia.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Sobre educação VII

Não apenas como professor, mas em minha lida diária com diversas pessoas tenho observado uma dificuldade crescente que as pessoas têm tido em considerar aspectos objetivos do real. Não raras vezes alguns alunos questionam uma nota ou uma fala dizendo se tratar de uma opinião. Sempre respondo que opinião é uma questão de gosto ou apreciação sobre algo, mas que ela não se sobrepõe a fato objetivos, concretos. Obviamente que a hiperespecialização das ciências traz uma grande dificuldade para que essas distinções sejam feitas, mas isso não altera o fato de que proposições sobre objetos podem ser verdadeiras ou falsas e só. Elas devem ser verificadas e são independentes de desejos e gostos. Quando eu afirmo, por exemplo, que a Argentina foi campeão mundial de futebol em 1986 estou apresentando um fato. Podemos discutir a legitimidade da conquista feita de forma desleal com o gol de mão das quartas de final, mas isso não muda o fato, ponto.

Essa é uma séria dificuldade que os professores enfrentam e enfrentarão cada vez mais com o desenvolvimento da "cultura woke" que sobrepõe sentimentos a fatos como se a mera fala e desconstrução dos paradigmas alterassem a realidade das coisas. Esse tipo de ficção que se impõe como real ainda cobrará sua dívida e a história nos mostra que ideologias que reduzem a complexidade do real a fáceis reduções retóricas sempre terminam mal com muitas e dolorosas mortes. Infelizmente muitos inocentes pagarão o preço dessa dívida.