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segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Pensamento avulso LXVII

A moralidade tem um princípio externo que é o próprio Deus e outro princípio interno que em última instância também se direciona a Deus, já que temos a marca de Deus em nosso íntimo, afinal fomos criados à Sua imagem e semelhança.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Um pouco da política do dia em Pedro Leopoldo

O pedroleopoldense simples, sem muito estudo, vê uma fábrica que poderia oferecer emprego a muita gente desistir do empreendimento e se revolta. Nessa revolta diz algumas coisas que de fato destoam de alguns aspectos formais do problema, mas que em sua essência estão corretas. O problema é que o sistema acusatório e jurídico envoltos nas complexidades do Direito contemporâneo, burocrático, enfadonho e o pior, completamente desconexo da realidade, esquecem-se das pessoas que supostamente visam defender.

Esse caso é uma mostra clara de que o “Fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça e que o mundo pereça) alegado por alguns “operadores do Direito” não é justo, mas faz de fato o mundo de muitos ruir. Esse é o problema da “justiça” sem responsabilidade apegada à letra, mas que na verdade utiliza a letra por conveniência. Com isso fazem valer um princípio alheio mesmo ao que levou a letra a ser o que é.

Em resumo: o povo se revolta porque os que dizem defender o povo “coam o mosquito e engolem um camelo” e não propõem soluções reais para problemas reais. São os burocratas de sempre que no quinto dia útil do próximo mês terão os seus salários na conta. E o povo? Que se vire!

domingo, 5 de dezembro de 2021

Pensamento avulso LXVI

Controvérsias sempre compuseram a ciência, mas em nossa época evocar uma objeção consciente e racional a supostas "verdades" científicas soa como "negacionismo" a ouvidos desacostumados à legítima disputa, um costume, quem diria, medieval. 

sábado, 4 de dezembro de 2021

Sobre a relação entre Filosofia e Teologia

(Vídeo aqui)

 Analisemos a seguinte questão: Por que é necessário estudar filosofia para entender teologia?

Antes de respondê-la é necessário fazer algumas considerações importantes. Primeiramente é preciso deixar claro que os conhecimentos de filosofia e teologia não são necessários à salvação. A doutrina de Cristo abarca sábios e ignorantes, sendo a salvação dada pela graça divina diferentemente das doutrinas gnósticas em que conhecimentos iniciáticos esotéricos, ou seja, conhecimentos fechados num grupo de iluminados são exigidos para se elevar espiritualmente e se salvar.

O segundo ponto é que nem toda filosofia é compatível com a teologia cristã, pois que muitas filosofias negam a dimensão sobrenatural ou mesmo a legitimidade da fé. Além disso, há que se atentar para a superioridade da teologia sobre a filosofia, tanto pelo seu objeto, no caso o próprio Deus, quanto por sua abrangência já que a filosofia está restrita aos limites da razão natural, enquanto a teologia pressupõe a fé sobrenatural, uma virtude teologal.

Feitas tais considerações podemos lidar diretamente com a pergunta recorrendo à afirmação de S. Tomás de Aquino de que a “graça pressupõe a natureza”[1]. Isso significa dizer que nós, diferentemente das criaturas angélicas, somos constituídos de um corpo material, logo não somos “puro espírito” recebendo, por exemplo, as graças sacramentais por meio de elementos naturais como no caso do batismo em que a matéria sacramental é a água. Desse modo, para compreendermos a ação de Deus na história que se dá por intermédio de sua Criação faz-se preciso o uso da razão natural que é capaz de apreender as causas, afinal como diria Aristóteles reafirmado por S. Tomás de Aquino: conhecer é conhecer as causas.

Se concordarmos com o princípio filosófico[2] de que falamos por palavras enquanto Deus nos fala pelas palavras e pelas coisas não é de pouco valor o conhecimento das coisas, proporcionado pela inteligência em que a razão se dirige ao seu objeto próprio. Assim, sendo a filosofia a máxima ciência no que tange ao uso da razão é, até mesmo por sua universalidade, fundamental na compreensão da natureza criada por Deus. Como a teologia, que é a Ciência da Graça não pode também como a própria graça prescindir do que é natural, é preciso que ela recorra à máxima ciência do natural para que os efeitos da própria graça se tornem para nós inteligíveis, ou seja, devidamente compreensíveis. A implicação disso é que a filosofia é necessária à teologia como a ciência que lhe concede o aparato conceitual para que nossa inteligência compreenda aquilo que lhe é possível no horizonte do mistério, ainda que saibamos que só a fé como nos diz o Tantum ergo no hino Pange lingua é capaz de completar as lacunas dos sentidos.

Para nossa resposta não ficar demasiada teórica podemos recorrer ao seguinte exemplo para deixá-la mais clarividente: diz a doutrina que com a elevação da hóstia e do cálice pelo sacerdote, juntamente à pronúncia das palavras do cânon, o pão e o vinho se convertem no corpo e sangue de Cristo. Obviamente essa é uma sentença que nos toca a fé, no entanto, temos diante de nós a matéria do pão e do vinho. Desse modo resta a questão: o que houve nesse momento tão sublime? Respondem os teólogos: houve a transubstanciação que consiste na mudança substancial do pão e do vinho sem a alteração de seus acidentes. Tal distinção explicada por S. Tomás de Aquino advém da metafísica, que é matéria filosófica, mais especificamente da metafísica aristotélica onde a substância é constituída pela essência e pelo acidente.

A essência seria o que o ser (ente) de fato é, aquilo que o define enquanto tal. Já os acidentes consistem em atributos que são, mas que poderiam ser de outra forma sem alterar sua essência. Como o que define o homem, em última instância, é sua alma racional, enquanto sua altura seja 1,7; 1,8 ou 1, 95m não o define essencialmente. Assim, pão e vinho substancial e essencialmente se tornam Cristo mesmo, mas mantêm seus atributos materiais acidentais. Podemos perceber com isso que a teologia usa conceitos filosóficos para explicar parcialmente fenômenos “teológicos”.

Espero com essas palavras ter dissipado a dúvida apresentada, bem como ter contribuído para um entendimento mais amplo acerca do papel da filosofia no estudo da teologia.

 

Que Maria Santíssima interceda a Deus por nós!

 

 

 

 



[1] “A fé pressupõe o conhecimento natural, como a graça pressupõe a natureza, e a perfeição o que é perfectível”. “Fides praesupponit cognitionem naturalem, sicut gratia naturam, et ut perfectio perfectibile” Fonte: TOMÁS DE AQUINO. Suma teológica. Ia, q. 2, a. 2., ad 1.

 

[2] Mais do que um princípio filosófico essa afirmação constitui uma sentença teológica como deixa evidente a afirmação de S. Boaventura: “Como, porém, Deus não fala só pelas palavras, mas também por fatos - pois que sua palavra é ação e sua ação é palavra -, e como todas as criaturas, como efeito de Deus, acenam para sua causa: por isso, ·o que foi divinamente legado na Escritura não

deve significar apenas palavras , mas também fatos.” (BOAVENTURA, São. Brevilóquio. BOAVENTURA, São. Obras escolhidas. Org. Luis Alberto De Boni; tradução Luis Alberto De Boni, Jerônimo Jerkovié e Frei Saturnino Schneider. Porto Alegre, Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Liv. Sulina Ed.; Caxias do Sul, Editora da Universidade de Caxias do Sul, 1983.)


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

O velho truque

 

A mentira vitoriosa não é aquela que prescinde ou abandona a verdade, mas ao contrário é aquela que traz consigo a verdade bem ao seu lado, escravizada, servindo-se dela para os seus propósitos de engano e erro. Assim, a mentira não possui uma relação lógica de contradição com a verdade, pois a oposição de contrariedade entre elas pode expressar uma relação que lembra a dialética hegeliana em que o convívio dos contrários é plenamente possível, enquanto tese e antítese, onde a conclusão, ou seja, a síntese um misto de mentira e verdade, mantém vestígios de ambos o que favorece a mentira que, ao contrário da verdade, não é exclusiva admitindo com gosto as mais diversas contradições.

No Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo esse embate entre verdade e mentira é muito claro e podemos recorrer a duas passagens para entendê-lo. A primeira é a descrição das tentações de Jesus Cristo no deserto feita nos evangelhos sinóticos. O tentador, um exímio conhecedor das Escrituras, que expressam verdades imemoriais, utiliza tais conhecimentos para desviar Nosso Senhor. Era verdade que Jesus Cristo poderia transformar as pedras em pão, mas era ainda mais verdadeiro que o homem não vive só de pão, ou seja, da matéria, da carne e que o usufruto lícito desses bens é subordinado ao que há de mais excelente, que é a vida espiritual cujo alimento é a própria Palavra, em última instância o Verbo Divino.  

Com essa primeira passagem citada podemos perceber que um dos marcos distintivos do que é mentiroso do que é verdadeiro encontra-se na orientação, na ordem, onde a verdade leva ao Bem que é o próprio Deus, enquanto a mentira leva ao mal, ao demônio.

A outra passagem também traz à tona o truque do tentador, mas dessa vez na boca dos fariseus e escribas que também eram exímios conhecedores das Escrituras, bem como começavam a conversa trazendo verdades. Tal passagem pode também ser encontrada nos evangelhos sinóticos e é famosa por ter se tornado um famoso provérbio: “Dai a César o que é de César...”. Nela os fariseus e seus aliados utilizam uma técnica comum aos mentirosos, a técnica da bajulação que alimenta o ego e desvia o foco. Nosso Senhor não apenas não caiu no truque, como ciente das intenções de seus inquisidores os deixou desconcertados.

E o eco dessa mentira ou pelo menos de suas artimanhas reverbera até hoje. Expliquemos: os fariseus elogiavam a capacidade de Jesus Cristo de não dar preferência às pessoas por sua aparência, mas queriam pô-lo à prova. E a resposta foi no sentido de ordenar as coisas, ou seja, coloca-las em seu devido lugar, afinal o que é de César deveria ser ordenado a César representando o poder temporal ou mundano e o que é de Deus deve ser ordenado a Deus. A astúcia de recorrer primeiro à tolerância, à aceitação das pessoas para depois aplicar a mesma tolerância aos atos, aos pecados e desvirtuar a tolerância mesma, como podemos ver não é novidade hodierna.

E se hoje o velho truque da bajulação permanece e querem nos desorientar utilizando as palavras do próprio Cristo devemos responder como Ele mesmo respondeu colocando as coisas em seus lugares e não as relativizando por respeito humano. Assim, é muito comum ouvirmos verdades como o “não julgueis” sendo desvirtuadas para justificar as práticas mais contrárias ao plano divino, o que, como nas passagens evangélicas citadas, mostra que a mentira pode instrumentalizar a verdade com seus vis propósitos.

Em casos assim devemos proceder como Nosso Senhor, com inteligência e amor à Verdade, restabelecendo a ordem, afirmando que o que é de Deus dista do que é mundano, sem medo de indicar a hipocrisia, inclusive a nossa, que não poucas vezes acompanha a mentira. Em suma: devemos buscar sempre as coisas do alto e assim servir à Verdade doa a quem doer, obviamente com a suavidade e a caridade aprendidas do próprio Jesus Cristo que se multiplicou no exemplo dos santos.  

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Pensamento avulso LXVI

Versão Mandeville: "Vícios privados, benefícios públicos"

Versão política brasileira: "Vícios públicos, benefícios privados"

domingo, 24 de outubro de 2021

Santo Agostinho: um breve comentário

(Vídeo aqui)

A história da Igreja nos regala com um grande número de conversões grandiosas como a do escritor inglês G. K. Chesterton, para citar um nome relativamente próximo de nós historicamente. Tais conversões são preciosas em vários sentidos e nos mostram a efetivação da parábola do Bom Pastor. Quando se fala de grandes conversões um nome que vem à mente de muitas pessoas é o de Santo Agostinho de Hipona, conversão esta fruto das incansáveis orações de sua mãe S. Mônica.

Agostinho fora um jovem errante e sua conversão se deu aproximadamente aos 33 anos após grande inquietação que o levou do neoplatonismo ao maniqueísmo. Sua história de conversão é extremamente interessante, mas não será o objeto deste texto. Aos interessados aguardem novos textos e acompanhem o segundo módulo do curso de Introdução à Filosofia Cristã que será divulgado nos meios eletrônicos.

O objetivo aqui é compreender alguns elementos da filosofia e teologia do bispo de Hipona. Nesse intento iremos recorrer à pintura em óleo sobre tela do pintor Philippe de Champaigne, um dos mais talentosos artistas do século XVII que passou a se dedicar a obras sacras após a cura milagrosa de sua filha e que nos brindou com um belo retrato de S. Agostinho, apesar de suas inclinações ao jansenismo.



A ideia aqui é partindo da contemplação da obra oferecer uns poucos elementos interpretativos da filosofia cristã em geral e da agostiniana em particular. Primeiramente gostaria de destacar que a pretensão aqui é singela tanto no aspecto de análise estética, não sou crítico de arte, quanto no âmbito filosófico e teológico. Feitas essas exposições iniciais podemos começar nossas considerações.

O ser humano é dotado de sensibilidade, vontade e inteligência, voltadas respectivamente ao belo, ao Bem e à Verdade. Com a perda dos dons preternaturais, oriunda do pecado original, tal ordem foi desvirtuada e a sensibilidade se voltou ao feio, ao desproporcional, enquanto a vontade e a inteligência se voltaram ao mal e à mentira, respectivamente. Para que tal desordem se desfaça é preciso que o ser humano busque auxílio na graça divina. E ao busca-la ele perceberá que Deus habita a sua própria alma, chegando o santo a expressar: “Deus nos é mais íntimo, que o nosso próprio íntimo” (Confissões III, 6, 11; 53,10).



Observando a pintura de Philippe de Champaigne podemos analisar tal reordenamento da sensibilidade para a vontade e da vontade subordinada à inteligência da seguinte forma: A verdade representada pelo Sol (acima), em que podemos ver escrito em latim “veritas”, que é próprio Cristo, a luz do mundo, ilumina a “cabeça”, ou seja, a inteligência e abrasa o coração (abaixo) que representa a vontade que coberta pela chama ardente da Verdade leva o homem ao Bem, ao reto caminho. Dessa forma, por intermédio da graça divina o ser humano é capaz de encontrar-se a si próprio encontrando a Verdade mesma que habita a profundidade de seu íntimo. Cabe aqui mencionar também que a vontade é o terreno do livre-arbítrio que se estiver ordenado à Verdade possibilita ao homem ser livre, sendo por sua vez a liberdade vinculada ao Bem. Só se é verdadeiramente livre quando se conhece a Verdade e se orienta por ela e, em última instância, a Verdade é o próprio Cristo como também o é o Bem.



Outro ponto que gostaria de destacar na pintura é em relação ao que se encontra sob os pés do santo. Trata-se de livros do monge Pelágio e provavelmente de Juliano de Eclano, ambos adeptos da heresia pelagiana. Tal detalhe torna a pintura ainda mais instigante e recomendável, afinal não bastou ao santo encontrar a verdade, mas lhe coube combater o erro e a mentira, pois a luz da verdade é como a lâmpada mencionada por Nosso Senhor: ela deve ser posta à vista, bem como as trevas devem ser dissipadas.



Como foi dito no início, este texto têm poucas pretensões, pois nossa expectativa é desenvolver mais detalhadamente o assunto no curso de Introdução à Filosofia Cristã oferecido por mim junto à Associação Cultural São Filipe Néri. Informações sobre inscrições e mais informações serão divulgadas oportunamente.

Que Maria Santíssima interceda a Deus por nós!

sábado, 16 de outubro de 2021

Pensamento avulso LXV

 A educação moderna e consequentemente contemporânea ao desprezar a contemplação retira da educação a capacidade de proporcionar ao educando ascender às mais elevadas potências humanas confinando-o num pragmatismo animalesco. 

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Purificação da história: o passado no banco dos réus

     

    Em minha adolescência, principalmente quando estava no Ensino Médio, encantei-me com os belos ideais socialistas de uma sociedade sem desigualdades. Para consolidar essa visão contribuíram sobremaneira alguns professores e a TdL (teologia da libertação) que era e continua sendo muito influente na Arquidiocese de Belo Horizonte onde nasci e fui criado. Quando cheguei à universidade ainda adolescente, o encantamento foi ainda maior, o que culminou com minha participação do Diretório Acadêmico (DA) na universidade como diretor de políticas estudantis. Com esse cargo tive uma experiência que foi essencial para uma série de mudanças em minha vida e que me trouxe à época uma enorme desilusão. Compartilharei convosco tal história:

Após uma reunião onde acertávamos os detalhes de um congresso de estudantes, eu num arroubo de inocência questionei junto ao principal organizador se não deveríamos convidar a juventude do PSDB para tornar os debates mais democráticos e diversificados me dispondo eu mesmo a confrontá-los se preciso. Num tom que me soou como o de um deboche o rapaz, já não tão jovem, disse que “com esse povo a gente não debate, a gente só bate”. Já se vão quase 15 anos e essa frase continua viva em minha memória, afinal abalava as minhas convicções de que num debate político as vozes discordantes deveriam ser ouvidas, além de ter sido um verdadeiro soco na boca do meu estômago idealista e ingênuo.

A partir dali comecei a me afastar pouco a pouco de tais movimentos e a questionar profundamente as minhas posições políticas, o que me levou a uma reorientação dos meus valores e princípios. E é a partir dessa experiência de vida que gostaria de analisar um polêmico fenômeno contemporâneo: o cancelamento.

Tal fenômeno tem sido tão comum e intenso que gerou o termo “cultura do cancelamento”, que consiste em linhas gerais numa tentativa de apagar as referências, a história, a fama e as fontes de financiamento de uma pessoa, associação ou empresa que tenham em algum momento mencionado ou feito algo que de alguma forma pudesse ferir ou contradizer valores considerados intocáveis para um grupo de agentes virtuais que avaliam ações dos “cancelados” conforme seus padrões morais e éticos promovendo uma campanha de anulação não apenas dos atos tidos como racistas, homofóbicos, machistas, etc., mas das pessoas que supostamente os teriam praticado.

Observando esse modus operandi de jovens ativistas ou justiceiros sociais contemporâneos não os posso dissociar do que vivi há quatorze anos e do que o movimento revolucionário progressista vem fazendo há no mínimo dois séculos. O que está por trás do cancelamento é a mesma prática da anulação do verdadeiro diálogo e do contraditório, não há debates ou chance para defesa, nem sequer se trata de um boicote, já que este se configura por uma campanha de recusa a uma ação de um indivíduo ou grupo e não a recusa à existência mesma do indivíduo ou grupo como no caso do cancelamento. O que se pretende, em última instância, é a anulação ou extermínio do desafeto.

E não nos enganemos, esse é um fenômeno teleguiado, não é uma iniciativa espaçada de jovens contrariados e mimados incapazes de utilizar os mecanismos civilizados para confrontar quem em tese “mereceria ser cancelado”. Esse tipo de ação dirige-se na maior parte das vezes a quem pronuncia algo tido como “conservador” ou em oposição às pautas progressistas. E não deixa de ser irônico que grupos abertamente críticos à moralidade clássica se mostrem tão moralistas e intransigentes, afinal “é proibido proibir, mas uma proibiçãozinha de vez em quando não faz mal a ninguém”. Então tal qual o “líder estudantil” que eu havia citado preferem negar a existência do diferente do que lidar com eles no âmbito público das ideias.

Se formos analisar mais de perto o modo como se faz o processo do cancelamento observamos que em quase tudo se assemelha a um tribunal retirando-se “apenas” a defesa. Há somente acusação e condenação sucedida por linchamento moral que substitui a execução penal.

O resultado perceptível desse moralismo que se constitui em tribunal da história é de um lado a tentativa de “purificar a história” anulando personagens históricos que deixaram um escrito ou obra tida como desagradável e de outro a reconstrução do passado como se isso fosse ontologicamente possível. Distinguindo aqui a massa de manobra das cabeças pensantes vemos que os primeiros não enxergam o absurdo do que promovem enquanto os últimos apostam na ignorância dos primeiros para acumularem cada vez mais poder, pois quem “Quem domina o passado domina o futuro; Quem domina o presente domina o passado” como indicou Orwell no livro “1984”. Sobra então, literalmente, para figuras históricas tão diversas como Cristóvão Colombo e David Hume serem apagados ao invés de serem estudados.  

domingo, 18 de julho de 2021

Sobre a virtude da obediência

"Importa obedecer antes a Deus do que aos homens." (Atos dos Apóstolos, 5)
A obediência é virtude (moral) essencial ao cristão e como toda virtude é ordenada a um fim, sendo o fim último das virtudes o próprio Bem. Nesse sentido, a obediência não pode ser instrumentalizada como um meio alheio a seu fim. Quem utiliza a virtude da obediência em coisa contrária ao bem, no ato mesmo da utilização transforma a virtude em vício, por isso, a obediência não pode ser usada como escudo para proteger o erro e até mesmo como véu para esconder uma desobediência ainda maior. Há que se observar também que há virtudes maiores que a obediência, principalmente as virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. E quando a obediência vai contra tal ordem no plano da salvação é ela ilícita como tão bem esclarece o Doutor Angélico na Suma Teológica (IIa IIae parte - questão 104).

sábado, 17 de julho de 2021

Pensamento avulso LXIV

Algumas leituras são libertadoras. Cito, por exemplo, o livro "Imposturas Intelectuais" de Alan Sokal e Jean Bricmont. Eu lia alguns textos de aclamados filósofos pós-modernos e pensava o seguinte: "eu sou muito burro, não estou entendendo nada". No entanto, esse livro me tirou um peso, pois ainda que haja muita coisa em que minha ignorância dá o ar de sua graça, não foi esse o caso. De fato, grande parte desses escritos são confusos e ilógicos neles mesmos, além de fazerem mau uso de analogias com as ciências naturais e a matemática. Ver esses textos expostos em suas incoerências e exageros hermenêuticos gera um efeito catártico numa inteligência contaminada por tais filosofias.

Pensamento avulso LXIII

A verdade lógica é subordinada à verdade ontológica. O desordenamento dessa relação é causa e também efeito das loucuras modernas.

O "progresso" europeu

O sinal de progresso em países sofisticados da Europa é a eliminação sistemática de PESSOAS com síndrome de Down, a trissomia 21 descoberta pelo servo de Deus Jéromê Lejeune. E não satisfeitos querem espalhar o "progresso" chantageando, econômica e politicamente, outras nações da própria Europa e da África tornando a seleção genética um direito humano.

Certamente todos eles dizem que a "ciência salva", que buscam o "bem maior", que são os herdeiros legítimos do iluminismo, os verdadeiros guardiões da razão. Quem cai nessa narrativa obviamente desconhece a história do eugenismo dos séculos XIX e XX ou quem sabe a conhece e quer repeti-la com um humanismo revigorado por agendas como o ambientalismo.

Não são poucos os "inocentes" que caem nesse discurso, pois têm a inteligência anestesiada pelo impacto emocional imediato que certas palavras como "direito", "progresso" e "respeito" provocam não as associando ao seu real significado cognitivo.

Isso explica em partes a aceitação de uma monstruosidade travestida com ares de misericórdia e piedade, um apelo à emoção e ao sentimentalismo. Como muita gente só reage a esse tipo de estímulo movimentos como a da jovem Heidi Crowter são fundamentais para tentar reverter esse processo provocando sentimentos contrários e o verdadeiro humanismo, entretanto o nível de destruição das consciências torna impossível a muitos o acesso ao que há de mais básico da sindérese, ou seja, muitos se tornaram incapazes de intuir princípios éticos elementares como o fato de que a vida humana é dotada de dignidade própria ou chegamos a cúmulo de desconsiderar pessoas com síndrome de Down como seres humanos.

Enfim, esse é o resultado da Modernidade que suprimiu a justiça em vista ao bem-estar, afinal pessoas "imperfeitas" são um mal não é mesmo? Não, "peraí" não era isso o que afirmava um tal Adolfo?!

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Pensamento avulso LXII

É muito interessante presenciar algumas reviravoltas históricas. Exemplifico: a filosofia pós-moderna e parte da sociologia do conhecimento criticam efusivamente a ciência moderna (ocidental), especificamente o cientificismo positivista, obviamente com razão em muitos pontos. O problema é que os mesmos que aderiram a esse sistema relativista são os primeiros hoje a conclamarem uma confiança ou fé cega na mesma ciência que até ontem acusavam. E ai de quem vê nisso sua óbvia contradição já que tal aceitação irrefletida na ciência convive com a crítica radical anteriormente aceita. Sobra a esse visionário a triste alcunha de "negacionista", que nada mais é do um flatus vocis, um jargão destituído de verdadeiro significado.

Pensamento avulso LXI

A cultura popular surge espontaneamente do próprio povo, pelo povo. Já a "cultura" de massa é feita desde fora, para o povo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Pensamento avulso LX


Grande parte da filosofia do séc. XX é a caminhada rumo à "desconstrução" da noção de verdade objetiva, o que culmina em diversas ideologias que negam a realidade, inclusive a biológica. Esse foi somente um passo no pensamento revolucionário para anular algumas "verdades" e criarem outras. Foi nesse sentido que eu falei que fakenews era boi de piranha. As mesmas pessoas que no fim do séc. XX celebravam um Deleuze e um Derrida são as que hoje cancelam e destroem as vozes dissonantes porque não professam "verdades científicas". Verdades essas que eles mesmos anularam lá em maio de 1968... Incoerência diziam alguns, uso do poder do discurso para manipular e impor pela força suas próprias ideias digo eu. Isso tudo faz parte da língua bifurcada que desde o início dos tempos assombra a humanidade.