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domingo, 14 de agosto de 2022

Reflexões após um quase cancelamento

Escapei por pouco de um cancelamento ou quase isso, afinal esse tipo de “modernice” dá margem a inúmeras interpretações. E por falar em interpretação foi justamente a sua falta ou seu mau uso, o que nos fim das contas dá no mesmo, que me colocou em situação desconfortável. Como a situação foi resolvida e não veio a público não irei entrar em detalhes, mas somente a mencionarei em termos mais genéricos.


Já escrevi sobre esse assunto antes (aqui), mas não havia chegado tão perto de eu mesmo ter me tornado uma vítima. Confesso que a princípio fiquei indignado, mas reportei tudo a quem de direito demonstrando a licitude de minha postura. Decorrido um tempo após o caso, volto a ele com maior compreensão e menos afetado emocionalmente, tendo já dissipado a raiva transformando-a em tristeza. Mas, como homem racional que sou vou além do sentimento para buscar a compreensão. Nesse sentido, vislumbro duas chaves de leitura que considero profundamente conectadas.


A primeira me veio após uma conversa das boas que tive com um confrade professor que expos em poucas palavras o que eu já intuía: “as pessoas não se preocupam com a verdade”. De fato o que impera em casos assim, que se multiplicam é a preocupação com uma narrativa, com um discurso e não com o verdadeiro e consequentemente com o bem. E isso pode ser visto não apenas em relação ao fenômeno contemporâneo do cancelamento, mas também em outras situação onde, por exemplo, para resguardar as “boas” aparências, ao mesmo tempo em que se espalham os cancelamentos também aumentam as denúncias de fake News, em grande parte elas mesmas mais mentirosas do que as “notícias” que acusam. Importa antes o impacto causado que sua veracidade, resume-se qualquer tipo de acontecimento ao marketing que se lhe associa.

Em meio ao caos midiático advindo dessa guerra de narrativas sobra pouco espaço para a verdade tão mencionada, mas pouco presente, principalmente quando suas consequências são inconvenientes. Esse desapego ao verdadeiro, que anula uma vocação propriamente humana, associada ao verniz que a menção da palavra “verdade” dá ao erro, abre ou melhor escancara as portas da segunda chave de leitura que antecipei acima. Para isso, recorro a São Thomas Morus que ao repercutir a recepção ao texto da, “Utopia”, afirmava ser responsável pelo que escrevera e não pelo (má) interpretação que haviam feito de sua obra.

Há nesse “espírito de cancelamento” uma má vontade em relação a se compreender o que não se concorda, como se entendimento e concordância fossem sinônimos, prevalecendo um juízo preconcebido de tudo com o que se depara sem se dar ao trabalho de ao menos ler ou saber minimamente o que se recrimina. E nisso, a geração atual do cancelamento supera o que Morus critica, pois ao menos sua obra fora lida.

O quase cancelamento me acendeu as luzes de alerta para isso e me fez correlacionar esse fenômeno com uma prática muito endossada pelo jargão: “precisamos formar cidadãos críticos”. Nesse sentido, prévia à ânsia do julgamento encontra-se a ânsia de criticar não importa o que e nem como, muito menos se há o entendimento suficiente para se fazer a crítica. Somamos então um incapacidade interpretativa ao poder infinito da crítica irresponsável e infundada e está armada a “casinha” do cancelamento.