O advogado Cristiano Zanin
acaba de ser aprovado pelo plenário do Senado como novo ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) para escândalo de uns e euforia de outros. De minha
parte não entendo os escandalizados, muito menos endosso os eufóricos, afinal
essa aprovação não merece comemoração nem é uma surpresa. Mas como podemos
enxergar tanto a indicação quanto a aprovação?
Diria haver algumas formas
de enxergar todo esse processo desde o entendimento de que a indicação expõe
claramente o estelionato eleitoral do atual presidente até o entendimento de
que a indicação não fere o princípio da impessoalidade na medida em que, pese a
proximidade do presidente com o indicado, este por suas capacidades cumpriria
os requisitos básicos para o cargo. Por mais que ambas formas de ver a situação
sejam possíveis, outra forma me parece no momento mais acertada.
Trata-se de ver a indicação
e a aprovação como emanações contemporâneas do “homem cordial” tão bem
representado pelo sociólogo brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda. O conceito
ao contrário do que possa parecer a um leigo na matéria, não trata de um homem
polido ou educado, ainda que por vezes ele surja assim, mas do homem propenso
em suas ações a privilegiar sua emotividade ou sua vontade particular frente ao
que é público. Daí o adjetivo cordial oriundo do substantivo cor, que em latim significa coração, definir
o homem brasileiro. Esse agir com base no “coração” acaba por fazer com que as
fronteiras do público em que predominaria o distanciamento da impessoalidade e
o privado onde predominaria as relações íntimas, entrecruzem-se e se dissolvam
um no outro.
Para compreender mais essa
visão, recomendo além da leitura do próprio Buarque de Holanda, a leitura do
livro, “O que faz o brasil, Brasil?”, para que se entenda mais essa mistura dos
espaços da “casa” (âmbito privado) e da “rua” (âmbito público) nos dizeres de
Roberto DaMatta. Depois dessas referências volto ao caso citado que como eu
dizia deve ser enxergado como exemplo atualíssimo de como a figura do homem
cordial se configura como paradigma político. A indicação do presidente
ratificada pela maioria do senado federal revela na prática que permanece viva
essa predisposição ao tratamento do público como privado, do império da vontade
sobre o império da lei.
Forma-se uma rede de “cordialidades”,
onde os favores são trocados e os cargos amarrados. Talvez essa cordialidade
não fosse de todo um mal, pois concordo com Afonso Pena que não há como levar a
cabo toda pureza de espírito no âmbito da política, mas coisa diferente é o
cinismo de apregoar uma impessoalidade anglo-saxã, enquanto se encarna a mais
crua pessoalidade do corporativismo e do compadrio político, os frutos mais
podres da cordialidade brasileira.
Podemos dizer que esse
espetáculo não se desenrolou na ilegalidade, mas que a cortina ao ser fechada não
escondeu a silhueta da imoralidade que se recusava à reclusão dos bastidores, dirigindo-se
contundentemente ao palco. E mais uma vez na história o conflito entre o moral
e o legal se apresentou. O problema é que nessa briga ambos acabaram perdendo.
Por fim, não custa nada
lembrar do velho provérbio e fazer uma pergunta: Se à mulher de César não basta
ser honesta, mas parecer o que não dizer do próprio César?
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