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domingo, 25 de junho de 2023

Cordialidades

 

O advogado Cristiano Zanin acaba de ser aprovado pelo plenário do Senado como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) para escândalo de uns e euforia de outros. De minha parte não entendo os escandalizados, muito menos endosso os eufóricos, afinal essa aprovação não merece comemoração nem é uma surpresa. Mas como podemos enxergar tanto a indicação quanto a aprovação?

Diria haver algumas formas de enxergar todo esse processo desde o entendimento de que a indicação expõe claramente o estelionato eleitoral do atual presidente até o entendimento de que a indicação não fere o princípio da impessoalidade na medida em que, pese a proximidade do presidente com o indicado, este por suas capacidades cumpriria os requisitos básicos para o cargo. Por mais que ambas formas de ver a situação sejam possíveis, outra forma me parece no momento mais acertada.

Trata-se de ver a indicação e a aprovação como emanações contemporâneas do “homem cordial” tão bem representado pelo sociólogo brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda. O conceito ao contrário do que possa parecer a um leigo na matéria, não trata de um homem polido ou educado, ainda que por vezes ele surja assim, mas do homem propenso em suas ações a privilegiar sua emotividade ou sua vontade particular frente ao que é público. Daí o adjetivo cordial oriundo do substantivo cor, que em latim significa coração, definir o homem brasileiro. Esse agir com base no “coração” acaba por fazer com que as fronteiras do público em que predominaria o distanciamento da impessoalidade e o privado onde predominaria as relações íntimas, entrecruzem-se e se dissolvam um no outro.

Para compreender mais essa visão, recomendo além da leitura do próprio Buarque de Holanda, a leitura do livro, “O que faz o brasil, Brasil?”, para que se entenda mais essa mistura dos espaços da “casa” (âmbito privado) e da “rua” (âmbito público) nos dizeres de Roberto DaMatta. Depois dessas referências volto ao caso citado que como eu dizia deve ser enxergado como exemplo atualíssimo de como a figura do homem cordial se configura como paradigma político. A indicação do presidente ratificada pela maioria do senado federal revela na prática que permanece viva essa predisposição ao tratamento do público como privado, do império da vontade sobre o império da lei.

Forma-se uma rede de “cordialidades”, onde os favores são trocados e os cargos amarrados. Talvez essa cordialidade não fosse de todo um mal, pois concordo com Afonso Pena que não há como levar a cabo toda pureza de espírito no âmbito da política, mas coisa diferente é o cinismo de apregoar uma impessoalidade anglo-saxã, enquanto se encarna a mais crua pessoalidade do corporativismo e do compadrio político, os frutos mais podres da cordialidade brasileira.

Podemos dizer que esse espetáculo não se desenrolou na ilegalidade, mas que a cortina ao ser fechada não escondeu a silhueta da imoralidade que se recusava à reclusão dos bastidores, dirigindo-se contundentemente ao palco. E mais uma vez na história o conflito entre o moral e o legal se apresentou. O problema é que nessa briga ambos acabaram perdendo.

Por fim, não custa nada lembrar do velho provérbio e fazer uma pergunta: Se à mulher de César não basta ser honesta, mas parecer o que não dizer do próprio César?

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