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sábado, 6 de abril de 2024

Política: do bem comum ao jogo de poder

 

O conceito de política é um conceito que, tomando de empréstimo a lógica aristotélica, chamaríamos de equívoco em nosso contexto, ou seja, um conceito em que para um único nome ou termo há diferentes conceitos mentais associados. Isso significa que apesar do nome “política” ser único, há diversidade de significados que variam ao longo da história.

A fins didáticos iremos distinguir neste texto duas grandes matrizes de definição do que é política, buscando transformar esse conceito num conceito análogo, onde tomando de empréstimo os dizeres do filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, obtenhamos uma “síntese da semelhança e da diferença” entre as duas visões de política.

Podemos dizer, em linhas gerais, que em qualquer cenário a política diz respeito à sociabilidade humana e às relações de poder. No entanto, o entendimento acerca desses fundamentos da política não implica numa mesma definição desta. Como já dissemos, há duas linhas que iremos investigar.

A primeira advém da compreensão clássica que permeou a filosofia política desde a Antiguidade ao Medievo. Essa compreensão é definida por alguns estudiosos das ciências sociais, como idealismo político. Certamente esse é um termo controverso, mas que resumidamente indica que a visão clássica colocaria a teoria sobre o que deveria ser a política à frente da política concreta, como se o que deve ser estivesse acima daquilo que é. Se observarmos mais atentamente as obras de política de um Aristóteles ou de um Raimundo Lúlio, por exemplo, vemos que não há uma sobreposição da teoria sobre a prática, do vir a ser sobre o que é, mas a busca pela universalidade própria da Filosofia ou do entendimento da realidade concreta por meio de valores e princípio universalizáveis.

Em meio à essa definição clássica podemos considerar que a política deve ser vista como a busca pelo bem comum. Política e ética, nesse contexto, são complementares, devendo a política refletir o bem próprio do horizonte moral:


O governo que serve ao interesse dos governantes é tirânico. Só o governo que promove a vida boa dos governados é bom.

[...] Para ser bom, o governo tem de ter uma autoridade reconhecida e aceita pelos governados, não o mero poder ou força ao qual eles se submetem por medo. (ADLER, 2010, p. 127)   

 

Apesar das divergências acerca da política ao longo dos séculos, o núcleo conceitual comum permaneceu inalterado, entretanto as circunstâncias históricas, bem como sua análise conceitual, alterou-se e na virada que erigiu a Modernidade uma nova forma de enxergar a política surgiu. Para contextualizar e nos situarmos historicamente cabe mencionar alguns eventos do período como a queda do império romano no Oriente em Constantinopla (1453), as Grandes navegações (séc. XIV-XV) e as Guerras Italianas entre 1494 e 1559.

É nesse contexto que Nicolau Maquiavel (1469-1527) tem uma percepção sobre a política que promove uma reviravolta na história das ideias, inaugurando o que muitos teóricos convencionaram chamar de realismo político, bem como a ciência política. Em oposição aos “idealistas políticos”, a proposta era partir da realidade “nua e crua” daquilo que passou a ser o núcleo da noção de política, a saber, o conceito de poder.

Em sua obra prima, “O Príncipe”, Maquiavel lança mão de seus principais conceitos que exploraremos a seguir. Essa obra que a princípio serviria de manual ao príncipe, no caso Lourenço de Médici (1492-1519) a quem dedicou o livro, tornou-se base de entendimento para a nova visão de política que até hoje é fundamental para compreendermos a política não apenas na dimensão da ciência política, mas principalmente na prática da política.

Para delimitarmos nossa exposição focaremos em dois pontos principais: a separação entre ética e política e a virtù (virtude) necessária ao exercício do poder pelo príncipe. Se o horizonte da política na Antiguidade era o bem comum, na Modernidade o núcleo da política torna-se a conquista e manutenção do poder. Nesse conceito se destaca a separação entre ética e política, afinal nesse processo de manutenção do poder, o príncipe estaria justificado a agir em desconformidade com os valores e princípios morais socialmente aceitos, como podemos observar no trecho abaixo:

 

Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (MAQUIAVEL, 1986, p. 90)

 

Podemos perceber com isso, que de um lado, a ética (moralidade) está inserida na esfera privada, enquanto a política está inserida na esfera pública. Fica a questão prática: como o príncipe deve agir politicamente? Frente ao cenário da distinção citada, primeiramente o político deve ser capaz de captar o amor e o temor dos seus súditos, mas na incapacidade de alcançar ambos, seria preferível alcançar o temor. Para gerir o horizonte do poder, o príncipe deveria ter em mente dois conceitos: o de virtù e fortuna. Este teria a ver com as situações que escapam do controle do governante, enquanto aquele teria a ver com a capacidade do príncipe em lidar com tais situações.

Poderíamos exemplificar essa relação com uma situação prática em que haja uma situação de seca em que os grãos estão sendo produzidos em baixa quantidade. O príncipe não teria responsabilidade com a seca diretamente, mas deve ser capaz tanto de se precaver quanto de agir de tal modo que os grãos produzidos, ainda que em menor quantidade possam atender os súditos.

 

Referência bibliográfica:

ADLER, Mortimer J. Aristóteles para Todos. tradução. Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2010.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.11 ed. tradução. Roberto Grassi. São Paulo: Bertrand Brasil, 1986.

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